sexta-feira, 27 de junho de 2008

Arte. Pra quê arte? Dinheiro. Pra quê dinheiro?

Dia chamado útil (todos os dias são úteis, quando se vive bem, mas o comum é considerar 'útil' de segunda a sexta). Final de tarde. Frio de rachar. Eu usava quatro blusas grossas, debaixo de um casaco comprido e cachecol. Ele estava no farol. Bermuda. Só isso ele usava. Era um rapazinho de seus 17, talvez 18 anos. Pés descalços. Arrepiado até à raiz dos cabelos curtinhos. Brilhantes olhos castanhos. Magérrimo. Alto. A pele totalmente coberta por uma tinta prateada. E malabares. Ele fazia malabares, no sinal.Parei numa vitrina e fiquei longos minutos observando o trabalho desse desconhecido. A apresentação durava o tempo do sinal fechado, e ainda era suficiente pra que ele recolhesse míseras moedinhas de quem o assistia de dentro dos carros. Depois ele sentava numa muradinha, e ficava passando a mão na pele arrepiada, até que o sinal fechasse de novo, e ele corresse para o meio da rua. E de novo exibisse suas habilidades. E de novo recebesse uns trocadinhos. E de novo esperasse pelo próximo sinal.Os pés descalços no chão gelado. O peito à mostra. Os ossos também. E os olhos. Ah, os olhos dele. E eu, discretamente, chorei, porque, afinal, ele era só um menino, garantindo algum dinheiro, talvez para a janta da família; quem poderia saber? Pensei em conversar com ele, mas não tive coragem. Ainda fiquei ali por um tempo, admirando uma arte que tinha o fim específico: o sustento. Depois fui embora. Mas a imagem dele veio comigo, e a pergunta também: arte pra quê? dinheiro, pra quê?


27.06.2008 - 11h21min

domingo, 15 de junho de 2008

Produção baixa

Passo por um período de transição terrivelmente árido. Faltam-me vocábulos suficientes, para expressar meus pensamentos, sempre muitos, sempre salientes, sempre vorazes. Minha produção baixou muitíssimo! Dos trinta textos diários, restaram doze ou treze, no máximo, a me brotar dos poros. O resto é vazio. Um enorme vazio, cheio de nada.
Ainda se houvesse uma palavrinha aqui, uma expressão curta ali, leve que fosse, ácida que fosse, cortada que fosse, eu conseguiria dar-lhe forma e sentido, a ponto de transformar o pouco nalguma frase a ser mastigada pela caneta.
Nada.
Se há nada, fica difícil preencher o vácuo da folha em branco, onde dança uma caneta azulada, a desenhar traços de mulheres nuas. Mas isso não é poesia! Mas isso não é arte! Mas isso não é produção que se apresente, ora bolas!
Onde foram parar meus mais de trinta textos diários? Em que penas eles pousaram? Em que folhas brancas mancham de vermelho os meus verbos suados?
Aridez completa das minhas horas. Não tenho o que dizer, nem como fazê-lo. As vivências não me chegam. Não me brotam os versos. Os brotos não dão flores, muito menos frutos, quem dirá sabores...
Quebro um copo na cozinha. Corto o dedo. No sangue que me esvai, a palavra que eu não tinha. Ai, ai, ai...
Deserto criativo. Criação sem cria. Até quando a aridez desse período de transição, que eu não sei pra onde e muito menos porquê?

Cortem a cabeça dela!

O que seria de Alice, caso os guardas-cartas-de-baralho a tivessem alcançado, cumprindo, assim, a ordem da Rainha de Copas? O que seria de nós, leitores vorazes das aventuras alheias?
E se a lua fosse feita, mesmo, de queijo? De onde teria saído tanto leite? Da Via Láctea, certamente. Nenhuma dúvida quanto a isso. Então... Cortem a minha cabeça!
E se meu coração falasse, ao invés do meu fusca, o que ele teria pra dizer? Absolutamente nada, suponho, além de um longo e claro gemido. Talvez até um gemido de adeus. Sem discursos intermináveis. Isso ele deixaria para alguns presidentes de países não tão distantes ou de entidades não tão confiáveis. Caso ele resolvesse falar qualquer vírgula a mais do que esse tal suspiro, seria perfeitamente possível que alguém, no meio da multidão, imediatamente, e não sem razão, gritasse: "Cortem a cabeça dela!", e teria eco imediato.
O que seria de nossos mendigos sem as calçadas frias para dormir? Sem o governo a lhes prometer um mundo de nadas, sem nossas cabeças pensantes a virar para o outro lado? O que diriam eles, se pudessem dizer, se pudessem ser ouvidos, se pudessem ser levados a sério, se tivessem vez? E se não têm nada disso, deve ser porque, algum dia, alguém foi atendido ao gritar: "Cortem as cabeças deles!".
O que seria do nosso país inteiro, sem os escândalos envolvendo as chamadas celebridades, os questionamentos sobre a masculinidade deste, daquele ou daquele outro, quem ficou com quem na festa de anteontem, e na de ontem, e na de hoje, e na que está a acontecer agora, e na que ainda acontecerá em seguida, ou no ano que vem? Quem teve filho de quem, quem dormiu com quem e quem usou essa posição, essa calcinha, essa samba canção; quem vestiu a roupa da grife tal, quem siliconou mais uma parte do corpo, que tatuagem ocupou maior espaço na pele, com quantos piercings se faz um bom sexo, com quantos papelotes se perde a cabeça de vez?
O que seria do nosso país sem a violência absurda, sem a polícia bandida, sem os meios de comunicação que cortam aqui, cortam ali, cortam acolá e transmitem o que querem, quando querem a um deus-dará?
Afinal, quem se importa mesmo? O mais urgente, o que realmente interessa, é tudo isso que está aí: os escândalos, o futebol, a novela, a droga, a violência, a maledicência, a falta de informação, a informação fragmentada, a informação deletada, a informação manca, a informação formatada em forma de adaga. Pra quê? Ora, não seja ingênuo, caro e-leitor. Para cortar a sua cabeça, é claro, por que outro motivo seria? Nesse país de cartas de baralho, a Rainha de Copas já foi operária, e sabe muito bem da urgência de cortar a cabeça de quem digita números nas cabines e-leitoreiras (sim, eu sei a diferença, mas minha cabeça foi cortada há muito tempo, perdoem-me senhores e-leitores)!
CORTEM A CABEÇA DELES TODOS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

sábado, 14 de junho de 2008

ABAIXO A LOUCURA!

A loucura deveria ser proibida, banida, eliminada, da face da terra. Só a lucidez teria livre trânsito. A previsibilidade seria bem-vinda e coisa de muito bom gosto. Nenhuma surpresa. Nenhum arroubo. Nenhuma mudança brusca de planos. Tudo cuidadosamente planejado. E cumprido, nos mínimos detalhes.
Quem insistisse em cometer loucuras, inclusive as de amor, seria exemplarmente punido com a masmorra eterna, pra não haver prováveis seguidores.
Em se eliminando a loucura, também as artes em geral, inclusive a música, a literatura e a poesia, estariam extintas,afinal, só os loucos se importam com tais manifestações. A eles, seria dado um prazo para redimir-se de seus erros. Um minuto. Tempo mais do que suficiente, e, pensando bem, até generoso, para qualquer um pensar, ponderaqr e chegar à única conclusão possível e permitida: a loucura é um estorvo; logo, deve ser suplantada pela lucidez completa.
Eu já fui absurdamente enlouquecida. Não vivi sem música. Vi poesia em tudo, inclusive num espirro, na dor, numa gargalhada, aperto de mão, comida farta ou parca, cheiro de canela, frase solta, lágrima, brisa suave, piada, falta de tempo, tempo de sobra, desilusão, ilusão, ódio, amor, comunhão. Já fiz sexo com amor e acreditei na amizade. Eu já fiquei encantada diante de uma escultura e já li três vezes, uma atrás da outra, o mesmo livro, só porque gostei! Já gastei noites inteiras conversando sobre li-te-ra-tu-ra! Sim, isso mesmo, LITERATURA! Ora, vejam! Tem coisa menos produtiva? E outras tantas noites falando de amenidades com um amigo. Amizade: a maior de todas as loucuras.
Um minuto. Tempo mais do que suficiente pra deixar de lado essa lista de coisas imprestáveis. Eu disse Imprestáveis, não Emprestáveis.
Sem loucura, com o mundo mais organizado, cordato e tranquilo, provavelmente a lucidez não se entediasse. O silêncio imperiasse e a vida,talvez, pudesse fazer algum sentido.
Então, ABAIXO A LOUCURA!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Só mais uma

Decidi. Hoje é meu último dia. Amanhã não existirei mais. Outra pessoa levantará da cama, em meu lugar. Estou exausta. Desisto, hoje, de ser quem eu fui até a presente data.
Sempre fui diferente. Sempre joguei limpo. Sempre fui sincera. Contei quem eu era. Nunca experimentei uma máscara. Não sei que peso elas têm (talvez até sejam confortáveis!). Pois cansei de não encontrar lugar pra mim. Cansei de ser diferente. Cansei de ser apenas quem eu era. E não serei mais.
Hoje é meu último dia. Amanhã não existirei mais. Amanhecerei mudada. Mascarada. Dissimulada. Fingida. Mentirosa. Assim pode até ser que eu tenha dificuldade de encontrar um lugar pra mim, posto estarem praticamente todos ocupados, mas serei apenas mais uma entre os milhares e milhares e milhares de outros seres com o dito perfil.
Não consegui pagar o preço altíssimo cobrado de quem não finge. Não tive meios de sobreviver sozinha. Não dormi bem, a despeito da minha consciência tranqüila. Não fui mais feliz por ser mais sincera. Não tive mais sorte por não mentir. Não respirei aliviada por estar com a cara limpa.
Máscaras. Hoje gastarei o dia escolhendo, separando e preparando um belo estoque de máscaras para todas as ocasiões. Ensaiarei as mentiras mais convincentes, os sorrisos mais cínicos e os mehores fingimentos da praça. Tive ótimos exemplos até agora. Sou inteligente (aliás, devo fingir burrice, também, a partir de amanhã, mas hoje ainda posso admitir esse traço pouco valorizado no mundo), e sei bem quais são as formas de mentir, enganar, ludibriar, iludir, dissimular e todos os verbos considerados mais sensacionais e muito usados por esse mundo das pessoas (de Deus é que não é).
Respirarei fundo, amanhã, e sairei à rua, com minhas máscaras tinindo de novas. Exibirei todas elas. Distribuirei falsidades de todas as formas, cores, jeitos e tamanhos. E dormirei, finalmente, em paz.
Hoje é meu último dia. Amanhã, no meu lugar, uma mentira andará pelas ruas e responderá quando chamarem o meu nome. Porque eu não existirei mais. Terei morrido, esta noite, de pura exaustão...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

ESCOLHAS

Não duvido das boas intenções de algumas pessoas, quando dizem querer me abrir os olhos pra isso, pra aquilo ou pra aquele outro jeito meu de ver/viver minha vida. Não duvido, absolutamente, mas questiono. Existe sempre o perigo de vampirismo. Daquelas pessoas que, de repente, acreditam ter todo poder sobre mim, que acreditam que eu deva fazer apenas o que elas consideram certo pra minha vida. Grande perigo.
Sob o pretexto de gostarem de ti, de te desejarem o bem, acabam organizando tuas coisas, teus momentos, tuas amizades, tuas prioridades, como se delas fossem. Se permitires um pequeno avanço, logo tomam conta de tudo, e, quando perceberes, não estás mais resolvendo tua vida sem consultá-las.
Não posso admitir esse tipo de invasão, por isso sou um tanto ríspida, às vezes. Sim, corro o risco de parecer antipática, e até de perder uma amizade que poderia ser bem legal. Prefiro isso a ficar atrelada a alguém que pensa ter as rédeas da minha vida, conduzindo-me por caminhos que não serão, certamente, os que eu escolheria.
Penso que seja sempre melhor errar por si mesmo, no máximo trocando idéia com alguém em quem realmente confio (que certamente não será qualquer pessoa), que deixar-me guiar pelos passos alheios. Não confio. Não gosto. Não aceito.
Pareço muito dura? Muito senhora de mim? Muito metida a sabe-tudo? Nada disso. Tenho plena consciência da minha pequenez e da interdependência necessária. No entanto, também tenho plena consciência de que ninguém pode saber mais da minha vida que eu mesma. Além disso, se e quando eu quebrar a cara, terá sido por mim mesma, pelas escolhas que eu fiz, por opção própria. E nunca de terceiros, sejam eles sangue do meu sangue, amigos bem intencionados ou pessoas que pensam que me conhecem, só porque sabem de algumas coisas da minha vida.
Sim, algumas pessoas ficam na torcida pra que tudo dê certo em nossas vidas. Isso é bom e aconselhável, inclusive bem-vindo. Mas só isso.
Tenho uma amiga muito querida que, diante de uma decisão que mudou toda a minha vida, há alguns anos, me disse: "Faz o que quiser, Si. Estarei do teu lado". Foi a maior prova de amizade que já tive na vida. E ela ficou do meu lado. Ali, firme. Se concordou, se não, se pensava que deveria ser diferente, não me disse na hora. Algum tempo depois me disse que não sabia se teria feito o mesmo que fiz. Mas achou que tinha que respeitar minha decisão, e o fez. E viu que foi bom pra mim. Na época, porém, restringiu-se a ficar do meu lado. Eu chorei. Ela segurou-me a mão. Eu tive medo. Ela segurou-me a mão. Eu quase desisti. Ela disse que, se eu desistisse, ela continuaria do meu lado.
Tenho tentado ser assim com meus outros amigos também. Falo o que penso, não posso deixar de fazê-lo, mas garanto que estarei ao lado deles, seja para o que for. Questão de respeito pelo outro, questão de confiança de que ele sabe o que é melhor pra ele, tanto quanto eu sei o que é melhor pra mim. E se há engano, então a gente dá a volta e começa tudo de novo. Quando dá. Quando não dá a gente faz de tudo pra consertar. Ou assume as consequências.
Penso que é assim que deve ser. É assim que a gente aprende. Com dor, ou sem ela. Mas sempre por nós mesmos.

domingo, 8 de junho de 2008

Santo engano

Tem gente que acredita ter A chave. Aquela que abre as portas do conhecimento. Abre não, escancara. A chave que possibilita que essa gente seja especial, de alguma forma. Então se auto-intitulam desbravadoras de caminhos. São pioneiras. Em tudo ou em alguma coisa, em especial. Mas são as primeiras. Nas próprias palavras, claro.
Repetem conceitos difundidos há anos e saem esbravejando tais 'novidades', como se o resto do mundo fosse ignorante o suficiente pra cair nessa. Mas alguns são. E endeusam os engodos. O que faz com que pareça que os primeiros estão certos, e eles, então, continuam sua trajetória de repetir palavras alheias como se deles fossem, de pregar descobertas alheias como se deles fossem, de proclamar profecias alheias como se deles fossem.
Então fico pensando que, se é assim com pessoas praticamente anônimas, como não será com os políticos desse país, cuja projeção é muito maior? O alcance das mentiras não pode sequer ser comparado! E a facilidade de enganar, mais ainda. Um povo que não sabe ler (veja bem que não estou me referindo à decodificação dos símbolos, mas dos significados), que não tem idéia do que seja uma crítica verdadeira, que não tem nem um tantinho assim de discernimento, não pode mesmo saber distinguir entre o que é bom ou não fazer na urna.
E aí, nesse meu país querido, as coisas são como são. Todo o mundo preocupado de quem é a Amazônia (assunto ressuscitado, aliás), enquanto há guerra no Rio de Janeiro (aquilo não pode ter outro nome), enquanto há gente morrendo de sede no Nordeste (quando todo o mundo sabe que resolver o problema é muito mais simples do que parece), enquanto há um tremendo caos instalado e formando craca em todo o território nacional, de toda sorte de crimes.
É nisso que dá acreditar que alguém tem A chave. E não apenas acreditar, mas colocar nas mãos dessa pessoa (ou pessoas) as razões todas da gente. Infelizmente.

sábado, 7 de junho de 2008

Sonho - uma crônica

Eu queria o direito de ser frágil. De não ser tão independente, de assumir que me dói essa independência pela qual, paradoxo dos paradoxos, luto todos os dias. Incansavelmente. E faço questão de manter.
No entanto, há em mim uma fragilidade abismal que, talvez, um dia, finalmente, me devore. Queria o direito de assumir que não sei sozinha. Que não consigo. Que não quero conseguir. Que não quero sequer tentar. Que não preciso sequer tentar.
Ser rocha, porto seguro, força e coragem, tem me desgastado tanto! Tem exigido tanto do que não tenho pra dar! Mas dou. Fabrico. Invento. Me viro. Rebolo. E todas as ações possíveis e imagináveis pra manter o que se chama, aparentemente, de segurança.
Tenho minhas próprias opiniões, ando de cabeça erguida, sou capaz de discutir qualquer assunto, troco lâmpada, gás de fogão, pinto parede, instalo chuveiro e, se facilitar, conserto encanamento. Interessam-me todas essas coisas. E também resolvo meus problemas sozinha. Decido sozinha minhas coisas. Quando muito triste, durmo. Quando arrasada demais, choro sozinha, de madrugada, pra ninguém ver, porque preciso ser forte. Porque preciso ser âncora. Porque os outros precisam de mim. Mas queria ter o direito de dizer que preciso de alguém que faça por mim, ou que, no mínimo, me ajude a fazer. Que me dê colo de vez em quando. Que esteja comigo, nem que seja em silêncio, mas ESTEJA ali, ao meu lado. Que não diga o que eu tenho que fazer, mas apóie minha decisão.
Ando cansada de não ter o direito de desabar. De dizer que preciso de ti, assim mesmo, muito simplesmente: EU PRECISO DE TI.
Só o que eu queria, hoje, aqui, era o direito de ser frágil. Ao menos uma vez.