Escrever é dolorido. Ficamos completamente despidos, diante dos olhos curiosos e críticos, de toda sorte de gente. Despidos e deformados. Isso me encanta e apavora, ao mesmo tempo. Por mais que eu use de metáforas, sempre será o meu ponto de vista que estarei afirmando. É bom que seja assim. E não é. Mas é praticamente impossível não ser assim. E é praticamente impossível que meu ponto de vista chegue às vistas do outro exatamente como mora em mim.
Outro dia escrevi um texto que considerei emocionante, e uma pessoa que me é cara deu a ele um significado tão diverso do meu, inclusive torcendo completamente a minha intenção, que eu tremi. Será assim que se sente um escritor controverso? Só que eu havia considerado o texto em questão completamente inocente (!) e ele me foi devolvido com tom de desprezo e pouca valia...
Quem lê, empresta à palavra a sua própria vivência, diversa, inclusive por coerência, do autor; portanto, os olhos que dissecam o texto também o modificam, transformando-o à sua imagem e semelhança; não no quesito "valor", mas no "jeito de ver", na forma de entender, de decifrar o que foi dito; daí a mudança, que não invalida o dito, nem o entendido, mas acrescenta-lhe significados. O ato criativo não pertence mais ao autor, uma vez que cai nas mãos do leitor. A escritura é uma parte, talvez a menor delas, da criação. Todo o resto foge ao controle do criador.
Exposto, despido e deformado, o autor se submete ao olhar do outro, sem metáforas nem trapos nem tintas, a proteger-lhe a alma. A mesma sobre a qual o olhar alheio projeta a própria, igualmente despida e deformada. Criar é dolorido, tanto para quem escreve, quanto para quem lê o escrito.