domingo, 20 de fevereiro de 2011

Do escrever

Escrever é dolorido. Ficamos completamente despidos, diante dos olhos curiosos e críticos, de toda sorte de gente. Despidos e deformados. Isso me encanta e apavora, ao mesmo tempo. Por mais que eu use de metáforas, sempre será o meu ponto de vista que estarei afirmando. É bom que seja assim. E não é. Mas é praticamente impossível não ser assim. E é praticamente impossível que meu ponto de vista chegue às vistas do outro exatamente como mora em mim.

Outro dia escrevi um texto que considerei emocionante, e uma pessoa que me é cara deu a ele um significado tão diverso do meu, inclusive torcendo completamente a minha intenção, que eu tremi. Será assim que se sente um escritor controverso? Só que eu havia considerado o texto em questão completamente inocente (!) e ele me foi devolvido com tom de desprezo e pouca valia...

Quem lê, empresta à palavra a sua própria vivência, diversa, inclusive por coerência, do autor; portanto, os olhos que dissecam o texto também o modificam, transformando-o à sua imagem e semelhança; não no quesito "valor", mas no "jeito de ver", na forma de entender, de decifrar o que foi dito; daí a mudança, que não invalida o dito, nem o entendido, mas acrescenta-lhe significados. O ato criativo não pertence mais ao autor, uma vez que cai nas mãos do leitor. A escritura é uma parte, talvez a menor delas, da criação. Todo o resto foge ao controle do criador.

Exposto, despido e deformado, o autor se submete ao olhar do outro, sem metáforas nem trapos nem tintas, a proteger-lhe a alma. A mesma sobre a qual o olhar alheio projeta a própria, igualmente despida e deformada. Criar é dolorido, tanto para quem escreve, quanto para quem lê o escrito.

E se...

E se isso, e se aquilo e se aquele outro, são conjecturas inúteis. Como seria o estado atual SE tais e tais coisas não tivessem (ou tivessem) acontecido? Só que elas aconteceram (ou não ) e, a maioria delas, por escolha minha, tchê!

Se eu tivesse dito o que queria, lá em 1982, o que seria diferente hoje? Nunca saberei. No máximo, dá pra sentir nostalgia de uma época em que se era criança por um tempo mais longo, e depois, adolescente, quando se sabia muito pouco, ainda, sobre a vida (não como agora, em que a infância está cada vez mais reduzida e a adolescência quase não existe, pulando logo pra vida adulta, cheia de problemas e responsabilidades, sempre antes do tempo, sempre antes...).  Mas as escolhas foram acontecendo, de um jeito ou de outro, e não há o que fazer sobre o que feito está. Agora as decisões são baseadas no que se quer manter, no que é realmente importante hoje. E algumas importâncias são maiores que a gente. E SE não fossem? Sempre haverá um outro SE... 

Se a primeira dança tivesse aberto espaço pra outra, que rumo teria tomado a minha vida? Nunca saberei. 

Se eu tivesse passado no concurso do TRE, na fase da "datilografia" (quando ainda era imprescindível usar máquina de escrever, e computador era coisa de filme de ficção científica), talvez estivesse morando em Porto Alegre, sozinha, aos 20 anos, e toda a minha história fosse outra. Nunca saberei.

Se eu tivesse casado com o primeiro namorado, mesmo sabendo da sua homossexualidade, por quanto tempo eu estaria bem resolvida? Nunca saberei.

Se tivesse tido uma penca de filhos,
se não tivesse tido filhos,
se escolhesse outra profissão,
se tivesse um milhão de amigos,
se não tivesse nenhum,
se fosse mais flexível,
se tivesse votado,
se soubesse dançar,
se falasse inglês,
se fosse afinada,
se fosse desleal,
se fosse cordata,
se nem tivesse nascido,
se soubesse mentir,
por quais caminhos tudo isso me levaria? Nunca saberei.

Por isso, não gosto de conjecturas. Já sonho demais com um futuro provavelmente impossível. Que razão tão forte me faria sonhar, também, com um passado que não posso mais mudar? Sim, as nossas escolhas dependem, em parte, das escolhas dos outros, é fato. Mas nunca saberemos o que teria sido SE tivéssemos optado por quaisquer das outras mil, espalhadas no leque das possibilidades, sempre que estamos diante de uma decisão qualquer, por mínima que pareça.

É isso! Ao preferir isto àquilo, todo o meu destino modifico, por menor que tenha sido o meu movimento e por menos que aparente interferir no que considero grande.
Independente de nós,  a vida segue seu curso. Isto, aquilo e/ou aquele outro vão acontecendo. Escolhas nossas, conscientes ou não.

Ter o poder de mudar aquele dia específico, há quase 30 anos, arrancaria de mim o que/quem me é vital, hoje. Daí a inutilidade do SE...



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tudo o que aprendi com meus ex (Capítulo II)*

Cosmólogo. Caiu no meu colo, feito estrela cadente. Tudo bem que, depois, voltou para a constelação de origem; deixou, porém, nas minhas saias, poeira de estrelas.
Cheguei à idade adulta sem saber que as estrelas são coloridas! Vergonha admitir uma coisa dessas, eu sei. Tão simples! Em qualquer Revista Superinteressante eu teria encontrado essa informação. Acontece que enxergamos apenas o que nos interessa, ainda que sempre tenha estado diante do nosso nariz. Pois pra mim as estrelas eram aquelas pontinhas brilhantes, prateadas, que estão sempre lá, mas que só aparecem de noite, porque o sol permite, pra elas não se sentirem deixadas de lado.
Impossível descrever meu espanto, quando ele me disse que as estrelas tem as cores do arco-íris! UAU! Fiquei tão emocionada, que chorei (ele chorou também; hoje penso que foi por ter descoberto o tamanho da minha burrice).
Era início de ano, possível ver direitinho o céu estrelado, quase todas as noites. Ficávamos horas, ele tentando me mostrar as constelações, e eu tentando vê-las (não consigo, até hoje, vislumbrar aquelas formas todas, mas acho o máximo saber que alguém consegue). Pura magia.
Comecei a pesquisar, feito doida. Poemas e canções  (tem um mundo, sabias? uma mais linda que a outra!) sobre estrelas, matérias sobre estrelas, as super novas, as mortas qu'inda brilham (como a lembrança que guardamos dos que nos foram caros; foram, mas o brilho permanece indefinidamente), as distâncias, a forma arredondada.
Levei para meus alunos e para minhas colegas. Baseei todo o meu trabalho de alfabetização no tema (mas isso é assunto para o blog sobre minhas práticas pedagógicas pouco convencionais). Minha turma de primeiro ano ensinou tudo o que sabia às turmas de quinta e oitava séries, e enfeitamos a escola, com estrelas de papel, redondinhas e coloridas, como as reais.


Muitos anos depois, as estrelas (as vivas, as recém mortas e as mortas há séculos) ainda estão lá, colorindo minhas insones madrugadas. A importância disso tudo brilha numa delas. Com certeza.





** Os capítulos não obedecem ordem cronológica

Tudo o que aprendi com meus ex (Capítulo I)*

Eu tinha um computador, comprado com o maior sacrifício. Ele tinha uma gráfica, e vivia grudado nos computadores. Nos finais de semana eu ia pra lá (na cidade vizinha), e mais acompanhava o trabalho dele, que namorava...
Algumas coisas a gente não faz ideia, no exato instante em que acontecem, do quanto nos serão úteis. Lembro que, na época, eu me sentia deixada de lado, ainda que essa não fosse a realidade. Ele trabalhando, eu jogando.
Em casa, meu IBM Aptiva servia só pra digitar meus trabalhos da faculdade e jogar Paciência. Era, basicamente, uma máquina de escrever, bonitinha. Internet? Que bicho é esse? É de comer? É de vestir? Como se pronuncia?
Pois foi com ele que aprendi que computador tinha outros joguinhos, também (!). E me apaixonei por Mahjong. Ficava horas jogando, enquanto ele trabalhava.
Aos poucos, com o incentivo e quase exigência dele, me atrevi a fazer outras descobertas. Ele fez  a besteira de dizer que eu poderia fuçar à vontade, já que não era bem assim pra estragar um computador. Ensinou-me a navegar, coisa que eu, então, achei a maior idiotice da face da terra. Todo empolgado, tentava me mostrar a quantidade de informações que estavam disponíveis a quem tivesse vontade de acessá-las, e paciência suficiente pra suportar as constantes quedas (Internet discada, lembram?), e aquele barulhinho insuportável de antes de conectar: um misto de chiados e zumbidos altos, depois da discagem. Odiei, mas como boa namorada queridinha que sempre fui (eu sou um amor, juro!), ouvia tudo e tentava entender. Valia a pena.
Comecei a explorar meu IBM. Já não me era suficiente o Word. Queria mais. Paciência perdeu a graça; Mahjong perdeu a graça. Já não me era suficiente limitar-me aos programas do meu computador e seus 8MB de memória (O que? Era um monte, tá?).
E de repente, num piscar de olhos, eu era uma pessoa conectada com  o mundo!
Os dias eram outros.
Meu velho IBM foi doado (... se revoltou, tadinho. Não suportava tanta informação...).
Eu continuei conectada, até hoje.

O namorado? Passou... Mas a herança foi boa. Ô!




* Um Capítulo pra cada aprendizagem, o que não é o mesmo que número de namorados, atentem.
** A série pode ser tão longa, que vire livro...hehe... talvez...rs