sábado, 14 de junho de 2008

ABAIXO A LOUCURA!

A loucura deveria ser proibida, banida, eliminada, da face da terra. Só a lucidez teria livre trânsito. A previsibilidade seria bem-vinda e coisa de muito bom gosto. Nenhuma surpresa. Nenhum arroubo. Nenhuma mudança brusca de planos. Tudo cuidadosamente planejado. E cumprido, nos mínimos detalhes.
Quem insistisse em cometer loucuras, inclusive as de amor, seria exemplarmente punido com a masmorra eterna, pra não haver prováveis seguidores.
Em se eliminando a loucura, também as artes em geral, inclusive a música, a literatura e a poesia, estariam extintas,afinal, só os loucos se importam com tais manifestações. A eles, seria dado um prazo para redimir-se de seus erros. Um minuto. Tempo mais do que suficiente, e, pensando bem, até generoso, para qualquer um pensar, ponderaqr e chegar à única conclusão possível e permitida: a loucura é um estorvo; logo, deve ser suplantada pela lucidez completa.
Eu já fui absurdamente enlouquecida. Não vivi sem música. Vi poesia em tudo, inclusive num espirro, na dor, numa gargalhada, aperto de mão, comida farta ou parca, cheiro de canela, frase solta, lágrima, brisa suave, piada, falta de tempo, tempo de sobra, desilusão, ilusão, ódio, amor, comunhão. Já fiz sexo com amor e acreditei na amizade. Eu já fiquei encantada diante de uma escultura e já li três vezes, uma atrás da outra, o mesmo livro, só porque gostei! Já gastei noites inteiras conversando sobre li-te-ra-tu-ra! Sim, isso mesmo, LITERATURA! Ora, vejam! Tem coisa menos produtiva? E outras tantas noites falando de amenidades com um amigo. Amizade: a maior de todas as loucuras.
Um minuto. Tempo mais do que suficiente pra deixar de lado essa lista de coisas imprestáveis. Eu disse Imprestáveis, não Emprestáveis.
Sem loucura, com o mundo mais organizado, cordato e tranquilo, provavelmente a lucidez não se entediasse. O silêncio imperiasse e a vida,talvez, pudesse fazer algum sentido.
Então, ABAIXO A LOUCURA!