segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Madrugar





Minha irmã disse, essa semana, que meu fuso horário é outro. Pretendeu ser uma piada, mas desconfio ser a mais pura realidade. Sim, eu madrugo. Enquanto meus iguais deitam as cabeças nos travesseiros macios e mergulham num merecido descanso, eu desperto. Mereço o descanso, também, diga-se de passagem, mas o meu só chega quando os outros estão levantando, para sua lide diária. Aí é que eu deito. Madrugo.

Madrugo, porque as madrugadas me ganham. Elas e seus profundos silêncios. Elas e suas criaturas misteriosas, plenas de perguntas, sedentas de tudo, secas de nada. Madrugo, porque a escuridão é uma espécie de luz ao contrário, que me inflama de vontades, as mais diversas. Talvez, de todas, a mais importante seja a vontade de escrever. De expressar o que é praticamente inenarrável, em poemas quase sem pé nem cabeça, ou talvez poemas centopeicos, com sete cabeças, não sei...

Se rabisco ideias e pensamentos durante o dia, é nas madrugadas que eles tomam corpo e viram taça de vinho. O maior dos milagres. Quase tão grande quanto o milagre da vida: dar corpo a um pensamento e dele embriagar-se.

No entanto, de fora, acostumados ao fuso horário local, eles, os outros, entendem como preguiça o sono que chega no início da manhã. Não interessa se a noite foi fértil, se exigiu esforço, se produziu parte da obra de uma vida inteira. Interessa, isso sim, que eu durma, enquanto o mundo (esse ao qual pertenço) começa um milhão de afazeres. E as vozes repetem a ladainha de sempre, a mesma que cobra ritmos e horários iguais para todos. Uniforme.

Alheia (pero no mucho) ao reboliço provocado, recolho-me à minha insignificância justamente quando eles, os outros, acordam para a vida. E sempre vou pela sombra, já que é nas sombras que habitam meus verbos mais preciosos. Os mesmos que matam-me a gana de dizer: meu fuso horário é outro! E  que seja o que tiver de ser...

Madrugo.






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